O governo federal conseguiu usar até agora cerca de 28% do orçamento disponível para o enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela pandemia do novo coronavírus, mostra relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.
Ações como o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 à população mais vulnerável, repasses a estados e municípios, a ajuda a empresas para desestimular demissões em massa, além de outras relacionadas aos impactos da crise sanitária, contam com um orçamento de R$ 403,9 bilhões, aprovado pelos parlamentares por meio de 25 Medidas Provisórias (MP) nos últimos meses. Na prática, 43,47% já chegaram ao seu destino (veja tabela abaixo).
Vale ressalatar que nem todo o orçamento disponível deveria ter sido gasto, já que estão previstos no programa repasses que ainda devem acontecer nos próximos meses, como é o caso do socorro a informais, estendido por mais três meses.
No caso do enfrentamento da crise sanitária, que engloba gastos diretos com saúde mais aqueles necessários para fazer a burocracia funcionar, como os administrativos, referentes à segurança etc, o governo tem à sua disposição R$ 44 bilhões que não seguem a mesma dinâmica de pagamento de programas de auxílio mensal, por exemplo.
A falta de coordenação central do governo e as sinalizações do presidente Jair Bolsonaro na direção oposta das orientações sanitárias recomendadas pela (Organização Mundial da Saúde) OMS no combate à pandemia acabaram resvalando na performance da equipe econômica, segundo Felipe Salto, diretor-executivo do IFI:
“O Executivo tem papel muito grande na execução de politicas públicas no nosso modelo de federação, principalmente em momentos de crise, que exigem celeridade. Não é simplesmente passar recursos e achar que eles vão ser executados”, diz.
Enquanto os recursos esperam para ser direcionados, estados e municípios, que estão na linha de frente do combate à doença, pedem socorro devido ao avanço no número de casos. O movimento é visto sobretudo em estados do nordeste e no interior de São Paulo, onde algumas das maiores cidades, como Campinas e Ribeirão Preto, estão com lotação de leitos acima da média, chegando a 100% em alguns casos.
O mesmo acontece com o programa de financiamento das folhas de pagamento de empresas, que teve um volume de desenbolso pior do que o esperado, como o próprio presidente do Banco Central admitiu no início do mês em audiência pública no Congresso, ao dizer que o programa precisava de ajustes para ganhar eficiência.
Segundo ele, R$ 2 bilhões haviam sido distribuídos, de um potencial de R$ 40 bilhões em empréstimos, até o fim de maio, um mês após o anúncio do programa. O valor abrange 1,3 milhão de empregados beneficiados de mais de 79 mil empresas financiadas. Ainda assim, muito abaixo do 1,4 milhão de empresas e dos 12,2 milhões de trabalhadores que o governo disse que deveria beneficiar.
A maior preocupação, para Salto, são as empresas menores, com as quais, segundo ele, o governo errou: “demorou para perceber que precisaria do fundo garantidor para que os bancos privados concedessem os recursos com garantia do Tesouro. Demorou para acontecer e eu não vi esse atraso em outros países, onde recursos foram liberados mais rápido”, diz.
É esperado que, num momento inédito e que pede urgência, como o que vivemos agora, o governo tenha que ir ajustando aqui e ali a operacionalização de seu plano de ataque, destaca Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV)
“No Brasil, a crise econômica gerada pela pandemia é agravada por várias crises politicas. Uma delas tem como eixo a própria condução do combate ao vírus, que envolveu as demissões recentes de dois ministros da Saúde”, diz Balassiano.
O clima de instabilidade e incerteza vem levando instituições a revisarem suas previsões para a economia brasileira neste ano. O Boletim Focus, que mede a expectativa do mercado, aponta para uma queda de 6,5% do PIB em 2020, semelhante à do Ibre, de 6,4%. Há, porém, os mais pessimistas, como o Banco Mundial, que aposta numa retração de 8%.
O relatório do IFI também alerta para a importância de não perder de vista a necessidade de retomar os planos de equilíbrio fiscal em 2021, já que os riscos vêm aumentando significativamente com a trajetória da dívida bruta:
“As medidas necessárias para mitigar os efeitos da crise sobre os trabalhadores e as empresas, e também para guarnecer o setor de saúde são essenciais. O que se deve evitar é a tomada de ações que não estejam relacionadas à crise e/ou que tenham custos fiscais permanentes, sem que novas fontes de recursos sejam indicadas”, diz o texto.
O efeito primário nas contas do governo central das medidas de enfrentamento ao coronavírus chega a R$ 601,3 bilhões, 8,7% do PIB, em 2020. A IFI projeta déficit primário do governo central de R$ 877,8 bilhões, em 2020, 12,7% do PIB. Além disso, o risco de rompimento do teto de gastos aumentou e pode acontecer já em 2021, segundo o IFI.