(Brasília DF, 28/09/2020) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante coletiva de imprensa após reunião. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro ao lado de líderes do Congresso para apresentar o Renda Cidadã: a proposta de usar recursos do Fundeb já havia sido apresentada em julho – e rejeitada por especialistas e parlamentares (Alan Santos/PR/Divulgação)
O uso de parte dos recursos da educação para financiar Renda Cidadã pode custar caro no desenvolvimento brasileiro nos próximos cinco anos. O plano do governo divulgado ontem foi usar para o programa 5% dos recursos adicionais do novo Fundeb, fundo de desenvolvimento da educação básica renovado neste ano. Isso equivale a 8 bilhões de reais tirados do Fundeb até 2026, data em que as regras aprovadas neste ano expiram.
Os cálculos são do Todos Pela Educação, que vem calculando nos últimos anos o impacto dos diferentes projetos para o Fundeb no orçamento e nos resultados da educação básica.
Segundo os cálculos, 2,7 mil municípios e 17 milhões de alunos seriam afetados com a perda dos recursos. Os principais impactos serão justamente os alunos mais pobres e os municípios e estados com menos recursos.
“Há outros caminhos para financiar o mecanismo de transferência de renda sem desequilibrar a balança da justiça social quanto a responsabilidade fiscal – basta olhar para os privilégios que têm sido mantidos, mesmo durante o momento de crise que assola o Brasil”, disse o Todos Pela Educação.
O impacto maior nos mais pobres acontece porque o Fundeb é um custo dividido entre estados, municípios e a União, que paga a menor parte do fundo. Atualmente, a União é obrigada a adicionar 10% ao investimento total somado dos estados no Fundeb. Com o novo programa aprovado neste ano, a complementação da União passará progressivamente a 23% até 2023.
O problema é que essa complementação só vai para estados mais pobres. Atualmente, nove estados (todos das regiões Norte e Nordeste) recebem esse apoio federal. Com o novo Fundeb, a União também passaria a ajudar na educação de municípios pobres em estados ricos, ampliando a capacidade de redução de desigualdades do programa, segundo especialistas.
É justamente essa fatia do bolo, a complementação da União destinada aos mais pobres, que o governo deseja usar para o Renda Cidadã.
“Ampliar a rede de proteção social com aumento das transferências de renda é fundamental, mas isso não pode fragilizar políticas sociais que têm efeitos estruturais e complementares”, escreveu o Todos Pela Educação em nota.
Em vigor desde 2007, o Fundeb expiraria neste ano, mas foi tornado permanente por uma Proposta de Emenda à Constituição cujos debates levaram pelo menos cinco anos no Congresso.
O objetivo do fundo é garantir um investimento mínimo padrão por aluno na rede pública de todo o Brasil e reduzir a desigualdade entre regiões. Os recursos são compartilhados entre estados, municípios e União.
A criação do Fundeb levou a uma drástica redução nas desigualdades regionais entre estados mais ricos e mais pobres do Brasil. De acordo com um estudo da Câmara dos Deputados, sem a política de fundo, a desigualdade seria de 10.000% entre o maior e o menor valor investido por aluno nos municípios. Com o Fundeb, caiu para pouco mais de 500% — e a tendência é que diminua ainda mais com as mudanças no fundo.
As redes estaduais e municipais, mesmo quebradas na crise, também têm precisado fazer investimentos em tecnologia, planos de dados e outras ferramentas para alunos diante da pandemia.
O governo já havia tentado usar os recursos do Fundeb anteriormente. Nos últimos dias antes da votação da PEC do Fundeb na Câmara dos Deputados, em agosto, a equipe econômica do ministro Paulo Guedes e membros do governo do presidente Jair Bolsonaro tentaram convencer parlamentares do Centrão e aliados a usar os mesmos 5% do adicional do Fundeb com o Renda Brasil — o nome anterior do Renda Cidadã.
Após ser derrotado nessa articulação, o governo terminou cedendo e, no fim, o presidente Jair Bolsonaro disse nas redes sociais que seu governo era o responsável por aumentar os recursos do fundo da educação.
– FUNDO NACIONAL de DESENVOLVIMENTO da EDUCAÇÃO. – Um Governo que faz na Educação. – Transformamos o FUNDEB em PERMANENTE, aumentamos os RECURSOS e o colocamos na CONSTITUIÇÃO.
O governo federal participou pouco dos debates sobre o Fundeb desde o começo dessa legislatura, em 2019. A tentativa de usar os recursos no Renda Brasil foi, assim, a principal participação do governo federal nos últimos detalhes da tramitação, que ficou majoritariamente a cargo do Congresso. Na ocasião, contudo, o governo ainda tinha menos apoio do Centrão.
Desta vez, governo e Centrão no Congresso estão mais alinhados, o que pode fazer com que o plano passe. O novo líder do governo na Casa é o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que vem liderando as articulações para o Renda Cidadã.
A nova proposta de usar recursos do Fundeb para o Renda Cidadã já havia sido apresentada no antigo Renda Brasil, mas criticada pelo Congresso e especialistas. Agora, o governo apresenta o mesmo plano novamente
Na outra ponta, o Fundeb com 23% de complementação foi aprovado quase por unanimidade na Câmara e no Senado, de modo que mudar a proposta menos de dois meses depois da aprovação — e com o mesmo plano do governo que já havia sido rejeitado antes — é uma tarefa difícil e controversa.
A proposta divulgada ontem gerou críticas de parlamentares de diversos espectros políticos nas redes sociais. O argumento mais presente é o de que o presidente Jair Bolsonaro estaria, assim, tirando “dos pobres para dar aos paupérrimos” — uma frase que o presidente citou ao dizer que deixaria o Renda Brasil de lado porque a equipe econômica vinha sugerindo cortar salários de aposentados para bancar o programa.
“Num momento em q o MEC lavou as mãos e deixa 50 milhões de brasileirinhos sem educação básica, o governo quer “tesourar” recursos da educação para bancar o Renda Brasil: isso é mais que tirar dos pobres para dar aos paupérrimos!”, escreveu o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) no Twitter.
Num momento em q o MEC lavou as mãos e deixa 50 milhões de brasileirinhos s/ edução básica, o governo quer “tesourar” recursos da educação p/ bancar o Renda Brasil: isso é mais que tirar dos pobres p/ dar aos paupérrimos! É sacrificar o futuro do país a troco de populismo barato!
“O governo precisa ter coragem de enfrentar privilégios e propor uma reforma tributária justa para financiar a renda básica”, escreveu a deputada Tabata Amaral (PDT-SP). “A educação é a única porta de saída dos programas assistenciais. É a chance real de mudar de vida. O Brasil não precisa do Fundeb para financiar um programa de renda básica”, escreveu Felipe Rigoni (PSB-ES).
O MEC e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, ainda não se pronunciaram sobre a perda de recursos. No Twitter, o ministro publicou hoje sobre um edital para vagas remanescentes do Fies, programa de financiamento estudantil.